Fanfic - Beauty and the Beast (Capítulo 19 - O perigo, o amor e a revelação)
25/09/2013 18:43
Risoleta, assim que finalmente chegara à cidade, foi direto para sua pensão. Passou pelo salão do bar, que estava lotado de clientes sem nem olhar para os lados, despertando o olhar e curiosidade não apenasmente das meninas Dora e Rosalice, como também dos seus clientes e amigos tão queridos. A dona da pensão foi direto para o banho, podendo, finalmente, relaxar o corpo após um longo período de tensão. Assim que saiu do banheiro, rapidamente colocou um vestido azul escuro bem decotado, seus saltos de costume, e jogou por cima do decote do vestido uma espécie de echarpe amarela, que realçava ainda mais a cor de sua pele e chamava total atenção para o misterioso e sedutor decote da sua roupa. Assim que saiu do quarto, passou rapidamente pelo quarto do Dr. Rochinha, e não vendo o medico ali e nem em nenhum outro lugar na pensão, constatou corretamente que ele deveria estar com a namoradinha Laura Rosado. Rapidamente pegou um papel e caneta, deixando um bilhete sobre a cômoda do doutor:
“Dr. Rochinha, acabo de voltar de Serro-Azul e descobri toda a verdade sobre o desvivamento de Adélia. Estou indo ao encontro do homem da minha vida, e com boas notícias. Depois lhe conto os detalhamentos de tudo que descobri. Obrigada por tudo. Risoleta.”
A dona da pensão com os olhos cheios de alegria e o sorriso com um brilho a mais, esqueceu-se completamente de que era noite de quinta para sexta-feira. Desceu rapidamente as escadas, avisou as meninas que não tinha horário para voltar e também que falassem para que Rochinha lesse o bilhete que lhe fora deixado. Uma pessoa, porem, tentou travar o caminho da nossa heroína nada comum – Dona Risoleta, soube que passou uns dias fora, e deverasmente, a senhora fez falta por aqui! – Era o bendito do seu Cazuza, que agora adotara a nova função de atrapalhar o relacionamento do nosso casal. Risoleta, assustada e também com pressa, mal olhou para o amigo, tinha coisas a resolver e momentos muito mais importantes para realizar – Seu Zuzu me desculpe, mas eu preciso ir atrás do homem da minha vida! Com licença, meus queridos! – Cazuza ficou sem entender nada. “Dona Risoleta, apaixonada?! Como assim? Mas a Maria até então tinha ciúmes dela comigo, achava que ela me olhava de uma maneira diferente... Como dona Risoleta pôde fazer isso comigo?!”, completamente sem noção, Cazuza indagava a si mesmo. As meninas, que já acompanharam desde o inicio o envolvimento da patroa com o “professor peludo”, torciam e sorriam uma para a outra, desejando que dessa vez, Risoleta tivesse sorte em suas buscas.
A mulher chegou sorrateiramente na casa do amado. De longe, Dona Pupu avistara Risoleta chegando e, pela felicidade que estava estampada em seu rosto, certamente constatara que sua volta de Serro-Azul viera também com boas notícias. Abriu a porta da sala e saiu ao encontro de Risoleta no portão, com Belisário numa bolsa. Assim que se encontraram no jardim, Pupu percebeu que as suas considerações estavam certas – Minha querida, não precisa nos dizer mais nada! Pelo seu sorriso, sei que deu tudo certo na sua ida para Serro-Azul! Eu e Belisário vamos imitar o nosso neném e fazer um perneamento noturno compulsório, enquanto vocês conversam à vontade! – Pupu e Risoleta se beijaram e abraçaram, e assim que o casal de “sogros” foi embora, Risoleta entrou silenciosamente na casa de Aristóbulo. Rapidamente, a dona da pensão já estava no quarto do professor, que estava com a porta entreaberta. O ilustre e ilustrado presidente do Centro Cívico estava parado, junto a uma estante repleta de livros e não notara a presença de sua amada ali. Ela chegou por trás dele, passando as mãos suaves e delicadas seus olhos, vendando-o. Chegou mais perto, encostando seu corpo ao do professor, e sussurrou baixinho em seu ouvido – Professor... Eu voltei – Rapidamente, Aristóbulo virou-se e beijou as mãos de sua amada Risoleta. Aquele pouco tempo que ela passara fora foi o suficiente para o professor perceber que não conseguiria sair daquela cidade, e nem mesmo ficar longe dela. Tinha medo, muito medo de como poderia ser o futuro, especialmente longe, mas ainda assim perto daquela mulher. Mas certamente seria muito pior se ficasse totalmente longe dela. Tentaria manter-se perto, e sonhar com o dia que, quem sabe, poderiam ficar juntos. Pelo menos em sonhos. Estava com tantas saudades por aqueles poucos dias que não a vira, e o desejo latente que nunca fora consumado, que rapidamente a agarrou pela cintura, colando seus corpos de frente. Sussurrou da mesma maneira que Risoleta fez com ele – A senhora não imagina a falta que me fez, dona Risoleta... – E o recatado e tímido professor de latim puxou a amada para um beijo cheio de luxúria. Quando finalmente as línguas se encontraram, passaram a se envolver num ritmo bem próprio deles, sugando e tentando consumir o mais depressa possível uma a outra. Risoleta viera com a intenção de lhe contar a verdade sobre a morte da ex-noiva, mas era muito fácil para ela se perder daquele jeito nos braços do homem que desejava. E ao receber tão calorosas “boas-vindas” do seu amado professor Aristóbulo, não poderia fazer outra coisa a não ser se entregar ao momento. Envolveu sua língua ainda mais na dele, puxando-a com cuidado, explorando a boca do homem que a deixara louca. Suas mãos percorriam os cabelos e a nuca dele, enquanto as mãos grandes do seu professor apertavam seu corpo ainda mais contra o dele, numa tentativa desesperada de unir aqueles dois corpos carregados de desejo o quanto antes. Aristóbulo empurrava o corpo de Risoleta até a sacada do seu quarto, e uma enorme Lua Cheia os iluminava. Quando ela percebeu, já estavam do lado de fora. Enlouquecido de desejo, Aristóbulo passou as mãos suavemente pelo pescoço da mulher, descendo por seu colo, pelos seus seios. Nunca, em nenhum outro momento, Risoleta vira o tão calmo professor Aristóbulo Camargo daquela maneira. Pensara que deveria ficar sempre alguns dias fora da cidade, para deixá-lo assim, daquele jeito tão fogoso. Ela sorria pra ele, com aquele tão habitual sorriso carregado de malícia que ela sempre lhe dera. E o professor, já sem conseguir se controlar, olhava-a com os olhos cheios de luxúria, como nunca visto antes pela dona da pensão. Aristóbulo subiu as mãos pelos seios de Risoleta, e atirando a echarpe amarela que usara longe, rasgou a parte de cima do vestido da mulher, aumentando ainda mais o decote, que agora não passara de um pedaço de pano mal cortado na parte de cima – Certa vez me disse que eu nunca mais resistiria à senhora... E estava certa. A cada dia que passa, dona Risoleta, o meu desejo de tê-la só aumenta... E eu não estou conseguindo mais me controlar... – Depois de olhá-la com um sorriso também cheio de malícia, o professor desceu os lábios pelo colo da sua amada, e sem que ela pudesse parar para pensar, descia com a língua quente, molhada e macia pelos seios dela, ainda guardados pelo sutiã da mesma cor do vestido que usara. Risoleta gemeu baixinho, e nem se preocupou que toda aquela cena de luxúria estava ocorrendo na sacada do quarto dele, para qualquer um que passasse por ali conseguir ver. Ele mordiscava o caminho por entre os seios dela, e brincava com eles, enquanto a dona da pensão agarrava em seus cabelos. As mãos do professor desciam compulsivamente pelo corpo dela, apertando cada pedaço de carne macia que ela possuía – Professor... – Risoleta só conseguia suspirar o nome dele, e gemer pelo prazer que ele lhe proporcionava. As mãos dela saíram dos cabelos dele, e foram direto para a missão de lhe retirar com extrema facilidade o colete preto, seguindo pela camisa roxa, que Aristóbulo a ajudava a retirar. Finalmente, poderiam ter um contato de pele com pele, como nunca tiveram antes. Ao sentir os braços do professor envolvendo seu corpo daquela maneira e seus seios ainda avermelhados pelas marcas que ele lhe deixara, tocando o próprio peito nu dele, Risoleta suspirou, perdida nos braços do homem que amava. Sentir a pele dele, o calor do contato, era algo que só imaginava em sonhos. Aristóbulo, por sua vez, cheirava cada parte exposta do corpo dela, sentindo aquele cheiro de fêmea, da fêmea que, finalmente, ele poderia dizer “sua”. A pele branca dela, refletida na luz da Lua, se tornava ainda mais bonita, mais saborosa, e até mesmo mais cheirosa.
Mas, como já havia sido dito antes, Risoleta se esquecera de que era noite de quinta para sexta-feira. E Aristóbulo, ansioso por se aventurar na descoberta do corpo da mulher que amava, também havia se esquecido desse pequeno detalhe. E o maldito sino da igreja começara a ressoar, o chamando para dar vida à sua maldição. Ele rapidamente se afastou dela e, Risoleta, assustada, colocou as mãos no muro da sacada, segurando-se – Por favor, dona Risoleta, vá embora! Eu não quero machuca-la, por favor, a senhora sabe... – Risoleta não deixou que Aristóbulo terminasse a frase. Partiu para cima dele com todas as forças que possuía, entrelaçando as mãos no seu pescoço, e aproximando o máximo que conseguia seus corpos. O beijava com toques suaves, e falava baixinho por entre os beijos – Não, professor! Não precisa ter medo, o senhor não vai me machucar, não pode me machucar! Eu não irei embora tampouco deixarei o senhor partir essa noite, professor Aristóbulo... Essa noite, ficaremos juntos! – Ele tentava se soltar dela, mas a mulher o agarrava os braços com as unhas vermelhas. Não conseguia se soltar, e os espasmos da transformação começaram ainda mais rápidos, e mais rápidos...
Noite de sexta-feira, 00h01min. O professor Aristóbulo Camargo não conseguia se soltar das unhas de Risoleta em seus braços, mas um ser com uma força muito maior que a dele, soltara-a de si com facilidade, empurrando-a ao chão. Era o lobisomem. Risoleta, caída no chão, observava com os olhos brilhando aquela fera, uivando em direção à Lua. Ela ficou de joelhos, tentando alcançar o lobisomem, parando próxima a cintura do “bicho”. Quando o animal olhou para baixo, percebeu Risoleta com as unhas agarradas aos pelos do seu corpo, como num pedido de súplica por sua presença – Professor, sou eu, professor Aristóbulo! A sua Risoleta! Por favor, me ouça, siga o som da minha voz e me encontre no meio dessa confusão que o senhor se encontra... Ouça-me, professor! Fique comigo! – O lobisomem rapidamente empurrou o corpo de Risoleta contra o chão gelado, e ficou por cima dela. Ao ver aquela fera grande e peluda em cima do seu corpo, a mulher sorriu maliciosa. Qualquer um tremeria de medo e também temeria pela própria vida, mas não Risoleta. Ela nunca tivera medo da fera que habitava dentro do seu amado e justamente o amava por conta de sua natureza, além de sonhar com o dia em que teria aquela fera deslizando a “mão peluda” por todo seu corpo. E como se o lobisomem adivinhasse o desejo da dona da pensão, aquelas “mãos” mais pesadas e mais peludas do que o costume passaram por todo seu corpo. Seguiam o mesmo caminho que outrora o calmo professor seguira. Passara pelo pescoço da mulher, seu colo, seus seios com mais demora, sua barriga, e descia por entre as pernas dela, lhe causando arrepios e um gemido que ela não conteve – Professor... Eu não imaginava que o senhor tinha uma pegada tão boa assim! – A fera se aproximou do pescoço dela, cheirando-o como Aristóbulo fizera antes. Inalava aquele perfume e a dona da pensão sentia uma língua áspera, diferente da língua macia do seu professor, lhe descendo o pescoço e seguindo para o caminho dos seus seios. O lobisomem uivava. A única coisa que conseguiu pensar naquele instante eram as palavras da enfermeira Mirtes: “Você pertence a essa coisa que lhe deixou essa marca, seja lá o que for isso que a marcou”, e era exatamente assim que se sentia naquele momento, como a fêmea do lobisomem. Tirada dos seus sonhos e desejos eróticos mais reprimidos, ouviu os gritos histéricos das beatas da cidade que viram a cena dos dois na sacada e também viram os espasmos de transformação do professor. Não apenas elas, mas outras pessoas fofoqueiras também ouviram os uivos da fera, e algumas poucas pessoas começavam a se acumular logo abaixo do sobrado dos Camargo. O lobisomem agitou-se de medo. Feras assim fazem estragos muito grandes quando acuadas, com medo, ou bravas. E esse era um caso. Rapidamente, por susto, a fera agarrou-se ao pescoço de Risoleta, uivando baixinho, como num pedido de um cãozinho que buscava o cuidado da mãe. Mas aquele “cãozinho” era grande demais, pesado e forte demais. E não tinha a consciência de que apertar o pescoço de uma pessoa daquela maneira poderia matar.
Risoleta estava assustada, mas compreendia o medo vindo dos olhos da fera. Sentiu que a alma daquele bicho cheirava a medo – Calma, professor, calma! Sou eu, a sua Risoleta! Eu não vou deixar ninguém lhe fazer mal! Por favor, professor... O senhor vai me machucar sem entender! – Mas a fera não dava ouvidos à Risoleta. Os gritos lá embaixo estavam altos demais, e o lobisomem cada vez mais se amedrontava. Risoleta, com suas últimas forças, tentou chama-lo para a vida, junto dela. Colocou as mãos no rosto da fera, olhando fixamente nos olhos dele – Aristóbulo, por favor, me escute, meu amor! Eu te amo, Aristóbulo. Demais. Não tenha medo, não deixe essa fera te dominar, por favor, eu te peço! Controle esse bicho e venha viver uma vida ao meu lado, meu amor! Podemos ser felizes juntos, eu te amo e você é o homem da minha vida, me ouça, por favor! – Os olhos dele mudaram. Aqueles olhos de um esverdeado sobrenatural começavam a ser tornar límpidos e azuis, como ela os conhecia tão bem. E as patas peludas, ainda no pescoço de Risoleta, foram se soltando muito devagar. Risoleta, percebendo que suas palavras estavam surtindo efeito na fera, continuou com dificuldade – Eu sei que você nunca pensou em me machucar, Aristóbulo... Assim como sei também que pode se controlar para ficarmos juntos, como sempre desejamos. Eu me encantei por você desde que lhe vi no velório do Seu Zuzu, e me fascinei por você desde o dia que me salvou pela primeira vez... E eu te amei, e não apenas por ser esse homem maravilhoso, inteligente e cavalheiro, mas por ter essa natureza selvagem, solitária e incompreendida. Eu te amo do jeito que você é, Aristóbulo. Eu amo a fera que você é de verdade... Eu sempre te amei assim, meu amor. E eu nunca tive medo... Pois foi por isso, exatamente pela sua natureza, que eu me apaixonei por você... – Quando ela percebeu, as mãos estavam fora do seu pescoço, paradas próximas ao seu colo. E eram de um toque tão suave quanto as mãos do professor. E os olhos? Eram aqueles lindos olhos azuis que ela tanto admirava... Finalmente, depois de tantos anos lutando contra sua própria natureza, Aristóbulo conseguiu controlar o “monstro” que habitava dentro dele, por amor à mulher da sua vida. Conseguiu controlar o lobisomem, em noite de transformação. Compreendeu que, a partir daquele momento, era ele quem dominava a fera que tinha dentro de si, e tudo isso porque tivera a prova de que a mulher que ele amava, o amava exatamente como ele era, e com a bendita maldição que carregava consigo. Ela, de fato, o amava pela maldição que ele possuía. E não sentia medo dele. Sendo assim, jamais poderia machucá-la, conseguiu se controlar por amor. Fraco, Aristóbulo ainda teve forças de puxar Risoleta contra seu peito. Era a primeira vez que ela dizia que o amava. E ela o chamava de Aristóbulo, de meu amor, de homem da vida dela. Não de “professor”, não de “senhor” e sim de “você”. Risoleta o chamara de “meu amor”, e o chamara de Aristóbulo! Por Santo Dias, se aquele fosse o dia de sua morte, morreria certamente feliz por ouvir dos lábios da sua amada o quanto aquele amor era recíproco – Risoleta, meu amor... Perdoe-me, meu amor, por favor! Eu lhe fiz mal? Diga que não, por favor! Fale comigo, Risoleta... – A dona da pensão tinha a cabeça apoiada no peito dele, e lhe depositara um beijo. Olhou para o professor, que a abraçava tão carinhosamente e levou as mãos até o rosto dele, fazendo carinho e passando a ponta dos dedos pelos seus lábios – Não Aristóbulo... Você não me fez mal nenhum, você finalmente conseguiu se controlar, em nome do nosso amor, meu querido! Percebe agora que, finalmente podemos ficar juntos? – Risoleta sorria, apesar do susto. O professor de latim a abraçava ainda mais forte, lhe puxando para um beijo apaixonado, e pela primeira vez, sem medo, sem aquele sentimento de preocupação ou cautela. Pegou a dona da pensão no colo, e a levou para a sua cama. Esqueceram-se completamente dos observadores importunos lá embaixo que, sem sinal de nenhuma possível tragédia, foram embora. Ele deitou Risoleta na cama e se aproximou dela, fazendo carinho em seu rosto. A mulher pegou a mão dele, segurando-a junto ao próprio coração. Estava na hora de contar o verdadeiro motivo que a levara até ali – Aristóbulo, há dois dias quando lhe disse que fui até Serro-Azul para resolver alguns problemas da pensão, eu menti para você, mas foi uma mentira boa! – Ele parava, fitando-a sem entender – Eu peço que entenda que fiz isso por você, por nós, Aristóbulo... – Risoleta segurou o rosto dele por entre as mãos, deu um suspiro e finalmente começou – Eu fui descobrir o real motivo do falecimento da Adélia, meu amor. E consultei a enfermeira que cuidou do caso dela naquela noite, e também falei com o médico que tratava Adélia, desde pequena... Você sabia disso? Sabia que ela tinha consultas regulares com um cardiologista? – Aristóbulo se afastara subitamente de Risoleta. Mas a dona da pensão, determinada, aproximou-se do homem que amava, segurando em seu braço, mantendo-o ali – Adélia tinha problemas de coração desde que nasceu, e com o passar dos anos, esses problemas se agravaram. Os médicos lhe disseram que ela tinha pouquíssimo tempo de vida, e que, certamente não duraria muito mais do que semanas... Foi exatamente por isso que ela aceitou conhecer você do jeito que você é, pois saberia que não viveria ao seu lado por mais tempo... Ela sabia que ia morrer, Aristóbulo. Ela estava fadada a falecer, e não te revelou isso por medo de se afastar dela em pleno leito de morte... Adélia decidiu conhecer a sua natureza antes de morrer, para que pudesse lhe conhecer por completo. Você não a matou como me disse, como sempre achou por todos esses anos... Adélia morreu aliviada por poder conhecer o homem que amava, e era isso que ela precisava lhe dizer o tempo todo. Você carrega uma culpa que não é sua, que nunca foi sua, professor... Você não matou a sua ex-noiva! – Aristóbulo estava mais pálido do que o costume. Após tantos anos de sofrimento e um sentimento de culpa que o consumia durante todos os dias, que o privara totalmente da vida e das emoções, percebera que, de fato, não havia matado a sua amada ex-noiva, e que ela possivelmente morreu feliz, por ter partilhado desse momento com ele, antes que sua vida se esvaísse. Mas o professor de latim estava confuso, perdido, sua mente não racionava mais. Era muita informação, muitos acontecimentos em pouco tempo – Eu não matei Adélia, Risoleta? – Foi tudo o que o professor conseguiu dizer, seus sentidos já não correspondiam com seus sentimentos. A dona da pensão aproximou-se, sorrindo para ele e lhe fazendo um carinho doce no rosto – Não, meu professor... Você não matou a Adélia, Aristóbulo. Era isso que ela sempre tentou lhe dizer, mas nunca conseguiu. Agora, finalmente, você pode tentar conversar com ela, e deixar que a sua alma descanse em paz... – Ele se levantara da cama, não estava conseguindo mais pensar – Risoleta, eu vou leva-la até a pensão... Perdoe-me, mas eu preciso ficar sozinho por um tempo, preciso tentar compreender e racionalizar tudo o que aconteceu na noite de hoje, e tudo o que você me disse agora... – Ela se levantou da cama, consentindo com ele. Esperava passar essa noite ao seu lado, mas compreendera que se fazia necessário que Aristóbulo tivesse esse tempo sozinho, para si, recebendo em pequenas doses homeopáticas todos os fatos e novidades daquela noite. Eram muitos sentimentos, muitos anos de dor e confusão, que de repente mudaram aos olhos dele. Realmente precisava pensar e Risoleta entendeu isso. Aristóbulo pegou a echarpe caída no chão e a envolveu no pescoço da sua amada, cobrindo o rasgo que fizera em seu vestido. Foi até o guarda-roupa e tirou o sobretudo que habitualmente usara, a fim de cobri-la do frio da noite, e evitar olhares sobre o estado que ficara sua roupa após a quase tórrida noite de amor deles. A dona da pensão sorriu e ele a ajudou a vestir seu sobretudo. Risoleta sentou-se na cama, esperando-o se vestir, meio confuso, com movimentos robóticos, e suas roupas espalhadas pelo chão. Dali a alguns instantes, já estavam do lado de fora do sobrado.
O professor Aristóbulo Camargo caminhara ao lado de dona Risoleta, com uma das mãos apoiadas nas costas dela. Caminharam em silêncio até a porta da pensão, que, pelo horário, já não tinha nenhum freguês. Ele parou na frente dela, fitando-a – Eu prometo que voltarei para buscar o meu sobretudo... E para buscar a senhora também, dona Risoleta... – Ele brincou, dando um sorriso suave, com o olhar ainda meio perdido, vazio. Risoleta aproximou-se dele, dando um suave beijo nos seus lábios, no qual o professor retribuiu, com a outra mão apoiada na cintura dela – Eu esperarei ansiosa pelo senhor, professor Aristóbulo... – A dona da pensão também brincou da mesma forma que ele, virou-se e rapidamente já estava no lado de dentro do local. Aristóbulo esperou até observar a luz do quarto dela acender, e dentro de poucos minutos, apagar-se. Sabia que Risoleta estava deitada para dormir, e sua alma se acalmou com a ideia.
Assim que chegou a casa, o professor de latim passou sem nem falar direito com os pais, que o observavam como que esperando uma resposta dele a respeito do que se sucedera durante aquela noite – Eu preciso pensar, mamãe... Preciso entender tudo o que aconteceu e tudo o que eu descobri hoje... – Sem nem esperar a mãe responder, Aristóbulo subiu a seu quarto. Deitou na cama com o corpo sofrivelmente pesado e cansado, mas não conseguiu dormir. Porém, foi visitado ainda acordado em sonho, uma ilusão que Adélia criara, apenasmente para se comunicar com ele. E no “sonho”, o professor pôde, finalmente, compreender de fato que não matou a sua ex-noiva, e que ela realmente morrera feliz em ter partilhado tudo aquilo com ele. Ela pediu também, agora que ele sabia de tudo, para que a deixasse descansar em paz, e Aristóbulo assim o fez, despedindo-se finalmente na sua amada ex-noiva. Antes de Adélia partir, porém, lhe fez um pedido: Para que fosse feliz, ao lado da mulher que conseguira despertar seu coração novamente. O professor sorriu, concordando com a condição. Quando voltou à realidade, percebeu que aquilo tudo havia sido mais do que uma simples ilusão. Durante toda a noite acordado, Adélia esteve com ele, relembrando os bons momentos que compartilharam juntos enquanto jovens e lhe explicando tudo o que não havia dito antes de morrer, assim como lhe afirmou que morrera feliz, aliviando a alma daquele homem, que por anos foi carregada com esse maldito sentimento de culpa. Quando deu por si e não sentiu mais a presença de Adélia ao seu lado, percebeu também que depois de muitos anos, a sua alma ficara mais leve, como há muito tempo não sentira. Percebeu que agora poderia ter tudo, tudo. Assim que olhou para fora, percebeu também que já estava de manhã.